Alckmin defende exclusão de alimentos e energia do cálculo da Selic: solução ousada ou simplificação perigosa?
O presidente em exercício, Geraldo Alckmin, reacendeu o debate econômico ao sugerir que o Banco Central (BC) retire a inflação de alimentos e energia do cálculo da taxa Selic. A proposta, apresentada durante um evento do jornal Valor Econômico, foi embasada em práticas internacionais, como as do banco central dos Estados Unidos. No entanto, a ideia gera controvérsia, tanto pelo impacto na política monetária quanto pelo simbolismo político do discurso.
Uma visão pragmática ou desconexão com a realidade econômica?
Segundo Alckmin, os preços de alimentos e energia são influenciados por fatores externos e imprevisíveis, como eventos climáticos e variações no preço do petróleo no mercado internacional. Ele argumenta que políticas monetárias não têm o poder de resolver esses problemas, tornando os altos juros “ineficazes” para conter tais oscilações.
“Não adianta aumentar os juros para fazer chover”, afirmou o ministro, em tom crítico à abordagem tradicional do BC. A lógica apresentada parece sedutora, especialmente diante dos impactos negativos dos juros altos no crescimento econômico e na dívida pública, que, segundo Alckmin, sofre um impacto de R$ 48 bilhões a cada aumento de 1 ponto percentual na Selic.
No entanto, especialistas alertam que desconsiderar itens essenciais como alimentos e energia no cálculo da inflação pode enfraquecer a credibilidade da política monetária. Afinal, esses produtos têm impacto direto e imediato no custo de vida da população, especialmente das camadas mais vulneráveis.
O impacto social da inflação: discurso político ou preocupação genuína?
Alckmin também destacou a relação entre inflação e perda do poder de compra dos assalariados. “A inflação não é neutra socialmente”, declarou, reforçando que os mais pobres são os mais prejudicados pela escalada de preços.
Apesar disso, críticos enxergam a fala como uma tentativa de alinhar-se com narrativas populares, em um momento em que o governo enfrenta pressão por medidas efetivas para reaquecer a economia. Há também quem veja na sugestão uma tentativa de transferir responsabilidades para o Banco Central, especialmente considerando o contexto de tensões entre a autonomia da instituição e o governo federal.
Selic e inflação: o dilema da política monetária brasileira
Com a Selic atualmente em 14,25%, o BC tenta conter uma inflação que ultrapassou o teto da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). O índice oficial de fevereiro, de 1,31%, foi impulsionado principalmente pelos preços da energia elétrica, mas a medida também revela uma inflação estrutural persistente nos serviços e outros setores.
A ideia de Alckmin, embora atraente para aliviar o custo de capital e estimular o consumo, esbarra no risco de desestabilizar as expectativas do mercado e aumentar a volatilidade econômica. Para o BC, a inclusão de itens voláteis como alimentos e energia no cálculo da inflação reflete a realidade completa da economia, ainda que esses preços sejam suscetíveis a choques externos.
Conclusão: simplificar ou aprofundar o debate?
A proposta de Alckmin toca em questões fundamentais: como equilibrar o crescimento econômico com o controle da inflação? Até que ponto o Banco Central deve levar em conta as especificidades dos choques externos? Enquanto a retórica do ministro sugere uma abordagem flexível, críticos alertam que a retirada de alimentos e energia do cálculo da Selic pode ser um precedente perigoso, com impacto direto na credibilidade do sistema financeiro brasileiro.
O debate segue em aberto, mas uma coisa é certa: qualquer alteração nas bases da política monetária precisa ser acompanhada de uma discussão técnica e transparente, longe de motivações políticas ou simplificações excessivas.
Créditos: Agência Brasil
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